domingo, 24 de março de 2013

palavras dos outros: tílburi de praça, raul pompéia


"- Meu senhor, o coração dessa mulher é uma coisa complicada. Não se pode estudar e definir de uma só maneira, mas, no ponto da sua consulta, eu creio que não erra, com esta exposição da minha experiência. Há corações fechados que são como portas de que se perde a chave. Ninguém lhes entra, sem que um milagre da sorte ensine como. Então, é a imensa ventura. Há corações de uma só porta, como as casas seguras, onde a gente entra, sem custa, instala-se, faz família dentro, e aí chega a netos tranquilamente. Há corações de duas portas, que dão entrada a um afeto pela frente, diante da indiscreção da Candinha e seus filhos. O segrêdo dêstes amôres de acôrdo é possível, mas às vêzes, mesmo em segrêdo êles são felizes. Há corações hotéis, onde todo mundo entra, escandalosamente, quase simultâneamente, pagando à parte seu cômodo, sem grande intriga, nem ciúmes. Há corações bodegas, que é um horror... Mas há uma espécie curiosa de coração, um produto das sociedades desenvolvidas, para a qual lhe chamo a atenção – é o coração volante, o coração rodante, que aceita amor, mas que não fixa, daqui para ali, a tanto por hora, a tanto por mês, o coração tílburi de praça, que aceita o passageiro em qualquer canto, que dobra esquina, que corre, que pára, que vem, que desaparece, que passa pela gente, às vêzes, juntinho, sem que se possa ver quem vai dentro..."

do livro Maravilhas do Conto Brasileiro.

segunda-feira, 11 de março de 2013

sobre a normalidade


Passo o tempo todo conhecendo pessoas diferentes, escutando histórias, aprendendo detalhes da vida dos amigos. Parando para pensar, deve ser o meu único e maior passatempo. Eu gosto de pessoas, gosto de ver no fundo dos olhos suas vontades. Outro dia conheci um moço que só de estar do meu lado emanava tristeza. E nem era por estar do meu lado, eram várias outras coisas que, com certeza, ele não me contou. Eu não preciso saber o que para saber que houve.

Parei para pensar em todas as pessoas que eu conheço e não lembro de nenhuma ser normal. Não é porque eu me relaciono só com estranhos, é porque não existe tal coisa chamada de normalidade. Todas as pessoas que eu conheço sofreram e tiveram algum trauma na vida. Faltou um pai, uma mãe, foi a descoberta da homossexualidade, falta de amor, excesso de zelo, um coração partido ou sobrecarregamento de responsabilidades. Todo mundo que eu conheço tem dificuldade em fazer algumas coisas por um medo intrínseco, inconsciente e sem sentido. Todas as pessoas, inclusive eu.

A normalidade é outro conceito criado para nos fazer viver o tempo todo em busca de ideais utópicos. É o combustível para uma vidinha conformada e medíocre, sem verdadeiros prazeres, experimentos ou buscas. É com ela que dizem que conseguimos a paz, o amor e a felicidade. Para mim, a normalidade é a estagnação, é a falta de movimento. A paz e a felicidade vem quando a gente encontra o equilíbrio, mas não é preciso parar para isso.