sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

da rua: picolé sabor cigarro


parada ali, esperando o semáforo fechar pra poder atravessar a rua. já molhada, tomando mais chuva. um menino parou do meu lado e eu demorei pra notar porque tava desenrolando o fone de ouvido, pensando na vida, pingos caindo, a blusa prestes a ficar transparente etc. aí notei que o menino tava fumando. ele tinha uns 12 anos, carregava um free no meio dos dedos, dava tragadas rápidas e tossia repetidamente. cuspia a cada três tragadas e duas tossidas. inquieto, ansioso, ele batucava os pés que calçavam um chinelo nas poças que a chuva tinha formado. o sinal abriu, ele atravessou quase correndo, como se um dos carros parados pudesse acelerar repentinamente. eu fui ficando pra trás. ele parecia estar com pressa. ele pára, mexe no bolso e pega um carlton. acende com o resto do free, joga o free no chão sem dúvida nem olhar pra trás e continua andando. um celular na mão, duas tragadas, uma cuspida e ele desata a correr. dois minutos depois minha miopia o perde de visão. ele deveria ter a mesma altura da minha irmã de 11 anos e, ao invés de um cigarro, ele deveria ter um picolé.

quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

sobre (não) ter controle

As coisas mais bonitas que acontecem na nossa vida são as coisas que não conseguimos controlar. A gente escolhe com quem casar, mas não escolhe por quem se apaixonar. A gente escolhe ter um filho, mas não escolhe como ele vai ser. A gente escolhe dormir, mas não escolhe sobre o que sonhar.

O que dói é que a gente, justamente, não tem controle. A gente queria escolher a pessoa certa, o filho perfeito, o sonho mais bonito. Mas a vida não é assim. O que dói é que a gente também não escolhe se desapaixonar. Vê, eu não escolhi aquelas lágrimas baixinhas que caíram no meu rosto ainda pouco. Também não escolhi gostar de quem não gosta de mim. Eu escolhi te esquecer, mas não escolhi tua presença nos meus sonhos.

A gente destrói e constrói sorrisos e lágrimas todos os dias, com cheiro de alegria, com uma pitada de verdade ou com raiva e dessentimentos. Tem dias que as coisas só crescem, outros que elas só desmoronam. A gente não consegue controlar nada, e essa incerteza é que deixa tudo mais bonito. Essa beira do abismo, esse medo de altura, é tudo incerto, amorfo, inesperado.


"feel it break"

terça-feira, 11 de dezembro de 2012

tormenta e calmaria

Ela era calmaria. Ela confortava, afagava, amava. Ela dizia o que precisava ser ouvido, estendia a mão do carinho quando vinha a grosseria. Ela botava panos quentes nos gestos frios. Ela lapidava as pontas que habitavam seu peito. Ela não sentia ciúmes, ódio, raiva. Ela desaparecia no meio da multidão. Ela só falava o necessário, para não incomodar. Ela não incomodava, não abalava. Ela era motivo de preocupação, de diminutivos, de abraços sem tesão. Ela era menina e mãe. As mãos na cabeça eram para fazer dormir. O abraço era para confortar o desconforto. O sorriso era para dar confiança. As palavras eram para encorajar. Ela estava disponível, acessível, de coração e sorriso abertos, pronta para fechar os braços ao redor dos seus ombros, pronta para aquecer aquele vazio.

Ela queria ser também tormenta. Ela queria desequilibrar a estabilidade que ela própria causava. Ela queria causar raiva, gargalhada, choro, ódio. Ela queria tempestuar. Ela queria fazer a perna tremer. Ela queria fazer virar do avesso as certezas guardadas na gaveta. Ela queria bagunçar, confundir, atormentar. Ela queria ter ciúmes, ter raiva. Ela queria excitar, provocar. Ela queria ser mulher. Ela queria tocar e desencadear taquicardia. Ela queria que seus movimentos fossem impetuosos, dilacerantes, viscerais. Ela queria tirar tudo da órbita.

Ela queria ser o que eram para ela. Ela queria que quisessem que ela fosse o que ela queria ser.