domingo, 24 de março de 2013
palavras dos outros: tílburi de praça, raul pompéia
"- Meu senhor, o coração dessa mulher é uma coisa complicada. Não se pode estudar e definir de uma só maneira, mas, no ponto da sua consulta, eu creio que não erra, com esta exposição da minha experiência. Há corações fechados que são como portas de que se perde a chave. Ninguém lhes entra, sem que um milagre da sorte ensine como. Então, é a imensa ventura. Há corações de uma só porta, como as casas seguras, onde a gente entra, sem custa, instala-se, faz família dentro, e aí chega a netos tranquilamente. Há corações de duas portas, que dão entrada a um afeto pela frente, diante da indiscreção da Candinha e seus filhos. O segrêdo dêstes amôres de acôrdo é possível, mas às vêzes, mesmo em segrêdo êles são felizes. Há corações hotéis, onde todo mundo entra, escandalosamente, quase simultâneamente, pagando à parte seu cômodo, sem grande intriga, nem ciúmes. Há corações bodegas, que é um horror... Mas há uma espécie curiosa de coração, um produto das sociedades desenvolvidas, para a qual lhe chamo a atenção – é o coração volante, o coração rodante, que aceita amor, mas que não fixa, daqui para ali, a tanto por hora, a tanto por mês, o coração tílburi de praça, que aceita o passageiro em qualquer canto, que dobra esquina, que corre, que pára, que vem, que desaparece, que passa pela gente, às vêzes, juntinho, sem que se possa ver quem vai dentro..."
do livro Maravilhas do Conto Brasileiro.
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